Epicentro
Um
lugar em particular tornou-se o que pode se chamar de epicentro cultural que
acomoda várias propostas e permite e facilita encontro de pessoas e idéias na
região do Cariri. Este lugar é o Centro Cultural do Araripe, ou mais
popularmente conhecido como RFFSA. (Sigla da antiga Estação ferroviária que
havia ali)
A
RFFSA foi durante muito tempo um local estratégico para o escoamento da
produção de cana-de-açúcar e alguns minérios para o norte do estado. “Não à
toa, outro local ao lado da RFFSA (no bairro São Miguel) por onde passa a linha
férrea, ficou conhecido como ‘‘Gesso” devido ao armazenamento da gipsita
trazida das minas de Santana do Cariri e Nova Olinda. Por ironia do destino, o
pó de cor branca que predomina neste bairro carente é outro hoje em dia.
Antes
de sua revitalização na metade dos anos 2000, a RFFSA era apenas um terreno baldio no
centro da cidade cheio de mato e pouco iluminado que favorecia a ação de
gatunos. Antes da sua interdição para reforma, o local já ostentava um precário
baile de carnaval freqüentado em sua maioria pela população das periferias da
cidade, e que foi carinhosamente batizado de “Carnafaca” visto o número
altíssimo de ocorrências durante as festas.
Peço licença agora para retomar
um pouco o assunto do capítulo anterior Tocas
e Malocas, e citar um lugarzinho que certamente fez uma diferença no
cenário alternativo do Cariri. O “Trailer de George” como ficou conhecido,
situava-se na lateral da praça perto de onde hoje funciona a estação do trem do
Cariri. O singelo quiosque surgiu numa época em que o Rosto já suspirava com
ajuda de aparelhos e trouxe um diferencial importante, a acessibilidade. Lá os
freqüentadores podiam opinar nas músicas que eram tocadas, tal como tocarem se,
se dispusessem a tal. Aconteceram vários ensaios abertos na calçada do Trailer,
como um que reuniu uma quantidade impressionante de pessoas, o da extinta banda
Emboabas. Neste ensaio aberto o público se aglomerou em frente ao “Palco ” de
tal forma que a rua ficou interditada, o que resultou em uma intervenção da PM.
Por falar em PM, foi neste mesmo trailer que aconteceu um fatídico episódio com
“os homi” durante um dos vários recitais poéticos que lá aconteceram. Na época
o fato repercutiu bastante por conta da truculência usada pelos policiais para
dispersar o público. Depois deste dia, as visitas dos homens de farda passaram
a ser mais freqüentes, o que ficou explícito que um local de diversão para
pessoas que não tem seu estilo musical favorito contemplado pelos veículos de
massa, que organizam de forma independente shows e recitais poéticos, não era
bem vindo! Ou pelo menos, aquele local, especificamente. O trailer de George
teve uma ascensão e um fim meteóricos. Após o anúncio da reforma da praça, o
quiosque foi retirado e mudou-se para outro local, porém sua contribuição
cultural não acompanhou a mudança e o novo local virou apenas mais um na
multidão.
Painel feito Pelo Grupo Acidum de Fortaleza |
Graffiti no "Beco da mijada" próximo à RFFS |
Feita
a reforma na praça, o novo local revelou-se o lugar ideal para encontros de
jovens, para prática de esportes, para realização de shows e as mais diversas
manifestações socioculturais. Aquele novo velho espaço tornou possível a
realização de grandes eventos dentro da cidade, como a reativação do festival
da canção tão importante outrora pra história e formação do caráter cultural da
região. Antes desta reforma, não havia um espaço público destinado à realização
de eventos, que conseguisse reunir tantas pessoas. Por trás de simples números
estatísticos, se esconde um dado mais importante. O fato dos caririenses se
redescobrirem como um povo que tem como característica própria o fazer e
acontecer cultural. Este fenômeno retira as pessoas da condição de apenas viver
uma simples nostalgia do que foi o Cariri e os coloca na posição de agentes
ativos desta ação. Desta forma se cria o sentimento de pertence dentro das
pessoas, e com o passar do tempo será restabelecido no inconsciente coletivo,
que estas práticas são um patrimônio imaterial a ser zelado.
Exposição Acidum na Mostra SESC |
Os
diversos espaços oferecidos naquela praça possibilitam uma infinidade de
manifestações, que sejam partidos de iniciativas particulares ou contando com
algum apoio institucional, estão solidificando novamente e tornando partes
legítimas da paisagem urbana o fervor cultural de agora. Podem-se citar como
exemplo os espetáculos teatrais de rua realizados pelas mais de 15 Companhias
de Teatro existentes na região, como o Grupo Ninho de Teatro e a Cia Cearense
de Teatro Brincante, liderada por Cacá Araújo que é um dos pilares da cultura
do Cariri. A extensão da parede lateral da praça que já serviu de tela para
grandes painéis de graffit, lambe-lambe, stencil, pichações com poesias ou
palavras de ordem. O grupo Acidum, um coletivo de artistas visuais de Fortaleza,
já fizeram diversas intervenções no local em questão, assim como o fizeram em
outros pontos da cidade, como em terrenos baldios e construções abandonadas,
subvertendo o sentido da própria arte convencional que não espera o seu
espectador dentro da galeria, ela sai pras ruas e invade o cotidiano das
pessoas. O grupo Acidum também já expôs no prédio da RFFSA, uma construção
antiga que após a reforma ganhou novos ares e deu um aspecto charmoso ao local.
Esse espaço vem sendo freqüentemente utilizado para realização de exposições de
pinturas, fotografias, etc.
Mãos à obra! |
Público da palestra de Ariano Suassuna |
O
largo da RFFSA já recebeu shows memoráveis nos últimos anos dos quais citarei
alguns: Vanessa da Mata, Charlie Brown Jr, Chico César, Paulinho Moska,
Jefferson Gonçalves, Nando Reis, Biquini Cavadão, Mundo Livre S.A., DJ Dolores,
Arnaldo Antunes, entre outros tantos que lá estiveram. Diga-se de passagem, que
foi tudo Gratuito. É válida também a lembrança da aula/espetáculo protagonizada
pelo Mestre Ariano Suassuna que reuniu mais de 2000 pessoas.
Isto
posto, fica argumentada a defesa da Praça da RFFSA como local de suma
importância para o resgate do sentimento cultural caririense e principal pólo
das manifestações realizadas na região, desta forma inspirando velhos e novos a
valorizarem esta memória do inconsciente coletivo e ajudando a renovar a gama
de artistas e consumidores de arte, que cada vez mais passa a ser, novamente,
uma característica de identificação do nosso povo.
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