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sexta-feira, 11 de maio de 2012

Raio X Cariri das Margens (Parte 3): Epicentro


Epicentro

         Um lugar em particular tornou-se o que pode se chamar de epicentro cultural que acomoda várias propostas e permite e facilita encontro de pessoas e idéias na região do Cariri. Este lugar é o Centro Cultural do Araripe, ou mais popularmente conhecido como RFFSA. (Sigla da antiga Estação ferroviária que havia ali)
           A RFFSA foi durante muito tempo um local estratégico para o escoamento da produção de cana-de-açúcar e alguns minérios para o norte do estado. “Não à toa, outro local ao lado da RFFSA (no bairro São Miguel) por onde passa a linha férrea, ficou conhecido como ‘‘Gesso” devido ao armazenamento da gipsita trazida das minas de Santana do Cariri e Nova Olinda. Por ironia do destino, o pó de cor branca que predomina neste bairro carente é outro hoje em dia.
         Antes de sua revitalização na metade dos anos 2000, a RFFSA era apenas um terreno baldio no centro da cidade cheio de mato e pouco iluminado que favorecia a ação de gatunos. Antes da sua interdição para reforma, o local já ostentava um precário baile de carnaval freqüentado em sua maioria pela população das periferias da cidade, e que foi carinhosamente batizado de “Carnafaca” visto o número altíssimo de ocorrências durante as festas.
           Peço licença agora para retomar um pouco o assunto do capítulo anterior Tocas e Malocas, e citar um lugarzinho que certamente fez uma diferença no cenário alternativo do Cariri. O “Trailer de George” como ficou conhecido, situava-se na lateral da praça perto de onde hoje funciona a estação do trem do Cariri. O singelo quiosque surgiu numa época em que o Rosto já suspirava com ajuda de aparelhos e trouxe um diferencial importante, a acessibilidade. Lá os freqüentadores podiam opinar nas músicas que eram tocadas, tal como tocarem se, se dispusessem a tal. Aconteceram vários ensaios abertos na calçada do Trailer, como um que reuniu uma quantidade impressionante de pessoas, o da extinta banda Emboabas. Neste ensaio aberto o público se aglomerou em frente ao “Palco ” de tal forma que a rua ficou interditada, o que resultou em uma intervenção da PM. Por falar em PM, foi neste mesmo trailer que aconteceu um fatídico episódio com “os homi” durante um dos vários recitais poéticos que lá aconteceram. Na época o fato repercutiu bastante por conta da truculência usada pelos policiais para dispersar o público. Depois deste dia, as visitas dos homens de farda passaram a ser mais freqüentes, o que ficou explícito que um local de diversão para pessoas que não tem seu estilo musical favorito contemplado pelos veículos de massa, que organizam de forma independente shows e recitais poéticos, não era bem vindo! Ou pelo menos, aquele local, especificamente. O trailer de George teve uma ascensão e um fim meteóricos. Após o anúncio da reforma da praça, o quiosque foi retirado e mudou-se para outro local, porém sua contribuição cultural não acompanhou a mudança e o novo local virou apenas mais um na multidão.
Painel feito Pelo Grupo Acidum de Fortaleza
Graffiti no "Beco da mijada" próximo à RFFS  
            Feita a reforma na praça, o novo local revelou-se o lugar ideal para encontros de jovens, para prática de esportes, para realização de shows e as mais diversas manifestações socioculturais. Aquele novo velho espaço tornou possível a realização de grandes eventos dentro da cidade, como a reativação do festival da canção tão importante outrora pra história e formação do caráter cultural da região. Antes desta reforma, não havia um espaço público destinado à realização de eventos, que conseguisse reunir tantas pessoas. Por trás de simples números estatísticos, se esconde um dado mais importante. O fato dos caririenses se redescobrirem como um povo que tem como característica própria o fazer e acontecer cultural. Este fenômeno retira as pessoas da condição de apenas viver uma simples nostalgia do que foi o Cariri e os coloca na posição de agentes ativos desta ação. Desta forma se cria o sentimento de pertence dentro das pessoas, e com o passar do tempo será restabelecido no inconsciente coletivo, que estas práticas são um patrimônio imaterial a ser zelado.
Exposição Acidum na Mostra SESC
        Os diversos espaços oferecidos naquela praça possibilitam uma infinidade de manifestações, que sejam partidos de iniciativas particulares ou contando com algum apoio institucional, estão solidificando novamente e tornando partes legítimas da paisagem urbana o fervor cultural de agora. Podem-se citar como exemplo os espetáculos teatrais de rua realizados pelas mais de 15 Companhias de Teatro existentes na região, como o Grupo Ninho de Teatro e a Cia Cearense de Teatro Brincante, liderada por Cacá Araújo que é um dos pilares da cultura do Cariri. A extensão da parede lateral da praça que já serviu de tela para grandes painéis de graffit, lambe-lambe, stencil, pichações com poesias ou palavras de ordem. O grupo Acidum, um coletivo de artistas visuais de Fortaleza, já fizeram diversas intervenções no local em questão, assim como o fizeram em outros pontos da cidade, como em terrenos baldios e construções abandonadas, subvertendo o sentido da própria arte convencional que não espera o seu espectador dentro da galeria, ela sai pras ruas e invade o cotidiano das pessoas. O grupo Acidum também já expôs no prédio da RFFSA, uma construção antiga que após a reforma ganhou novos ares e deu um aspecto charmoso ao local. Esse espaço vem sendo freqüentemente utilizado para realização de exposições de pinturas, fotografias, etc.
Mãos à obra!
Público da palestra de Ariano Suassuna
   O largo da RFFSA já recebeu shows memoráveis nos últimos anos dos quais citarei alguns: Vanessa da Mata, Charlie Brown Jr, Chico César, Paulinho Moska, Jefferson Gonçalves, Nando Reis, Biquini Cavadão, Mundo Livre S.A., DJ Dolores, Arnaldo Antunes, entre outros tantos que lá estiveram. Diga-se de passagem, que foi tudo Gratuito. É válida também a lembrança da aula/espetáculo protagonizada pelo Mestre Ariano Suassuna que reuniu mais de 2000 pessoas.
     Isto posto, fica argumentada a defesa da Praça da RFFSA como local de suma importância para o resgate do sentimento cultural caririense e principal pólo das manifestações realizadas na região, desta forma inspirando velhos e novos a valorizarem esta memória do inconsciente coletivo e ajudando a renovar a gama de artistas e consumidores de arte, que cada vez mais passa a ser, novamente, uma característica de identificação do nosso povo.

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